quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

A Casca da Serpente: uma recriação de Antônio Conselheiro

Num dos últimos romances do grande escritor José J. Veiga, também conhecido como J. J. Veiga, o autor fez um enredo que traz forte ligação com a história de Canudos, propondo um final diferente e, ao mesmo tempo, um novo ciclo para a vida dos guerreiros baianos. Em A Casca da Serpente, publicado em 1989, a história se inicia no final da Guerra de Canudos, na qual se podiam encontrar os destroços deixados pelo exército brasileiro, porém, com uma diferença: Conselheiro ainda vivo cria um plano em que consegue, com a ajuda de seus comandados, fingir-se morto para não ser capturado pelos soldados. Com o sucesso da estratégia, o líder religioso consegue reerguer outra Canudos em um lugar chamado Canabrava. Lá, a vida de todos que seguiam o bom conselheiro se torna melhor, o que nos remete ao ponto mais importante e mais notável dessa obra de Veiga. O líder se transforma em muitos aspectos e isso influencia a vida de todas as pessoas que o cercam. Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, começa a mudar o modo de agir diante das dificuldades. Homem, ele, que antes acreditava que a quantidade de rezas feitas é que determinava o sucesso das pessoas, olhou a sua volta e viu que, na verdade, podia ter empregado mais tempo em outros aspectos da vida social em um grupo como o que ele comandava e se arrependeu disso. Assim, a primeira mudança promovida por ele ainda no caminho em direção a Canabrava foi diminuir a quantidade de tempo empregado às preces. Além disso, começou a se sentir incomodado quando seus seguidores se ajoelhavam diante dele, pedindo bênçãos, e exigiu que parassem. Os comandados estranharam, mas incapazes de questionar, como sempre o foram, respeitaram a decisão. Como exemplifica o trecho a seguir: Não quero mais bodes velhos se ajoelhando pra mim e babando na minha mão. Basta um bom dia, um suscristo. — Nem de manhã cedo, meu bom Jesus? — Era Barnabé perguntando. — Basta um suscristo. (p. 31) Com o passar do tempo, se desfez da barba, cortou o cabelo e, mais ainda, não usou a roupa que fazia dele o líder santo como todos o conheciam. Tornou-se comum, e agora exigia ser chamado de Antônio apenas. Conselheiro teve transformações inimagináveis, certo de seus motivos: por medo de ser identificado pelos federais e Revista Crátilo, 10(2): 104-105, dez. 2017 © Centro Universitário de Patos de Minas http://cratilo.unipam.edu.br 105 Revista Crátilo, 10(2): 104-105, dez. 2017 porque se viu na obrigação de ser um líder melhor para o povo, sem rótulos e santificações, queria cuidar de seu povo como chefe comunitário. Os homens continuaram seguindo e obedecendo a suas orientações mais por respeito à rara inteligência organizacional que ele tinha do que, como antes, pela sua liderança religiosa. A mudança foi tamanha que a nova Canudos tinha mais organização: casas melhores com mais espaço, mais mantimentos. O povo aceitou ajuda de estrangeiros que sistematizaram o trabalho e fizeram ferramentas que facilitavam a lida diária. Dessa forma, nota-se que Veiga propõe uma reconstrução de Canudos que só fora possível e tivera sucesso por causa das transformações na personalidade de seu líder que influenciaram na criação de sua nova comunidade. Esse livro é especial, como toda a obra de Veiga, e sua recomendação se faz necessária não só pela maneira brilhante com que Veiga constrói um belo renascer de Conselheiro, mas também pela homenagem aos guerreiros de Canudos que, infelizmente, foram brutalmente assassinados pelo exército brasileiro. 

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